23 de agosto de 2011

Novo número da Pontourbe está no ar

Confiram entre outras seções, a entrevista com a Profa. Guita Grin Debert. Segue apenas um trecho (para ler na íntegra clique no link acima).

Lilian de L. Torres: Parece-me que a chave para entendermos o quadro mais geral de suas escolhas temáticas e teóricas nestes últimos 25 anos - mulheres, velhice, violência, família, gênero, distribuição de justiça, políticas públicas, corporalidade - está nas mudanças que ocorreram em sua vida acadêmica entre o mestrado e o doutorado. Você cursou ambos na ciência política da USP sob a orientação daProfa. Ruth Cardoso, trabalhando, no mestrado [1974/1977], com discurso político no período populista e, no doutorado [1982/1986], com o nacionalismo no ISEB e na ESG. Antes de iniciar o doutorado, passou cerca de um ano e meio [1977/1979] na Inglaterra, em Essex. Em 1984, foi dar aulas na UNICAMP.

A experiência na Inglaterra e suas novas atividades profissionais na UNICAMP tiveram relação com suas escolhas temáticas e teóricas posteriores?

Guita Grin Debert: A ida para a Inglaterra teve importância fundamental. Já havia definido, em certa medida, o tema da pesquisa do doutorado – o ISEB [Instituto Superior de Estudos Brasileiros], a ESG [Escola Superior de Guerra] e, sobretudo, a questão do nacionalismo – que estava muito ligado ao que estudei no mestrado. O período era o mesmo, mas no mestrado a ênfase recaiu sobre o discurso político: através da análise comparativa dos discursos de posse de líderes políticos, meu interesse era entender os diferentes significados que a palavra ‘povo’ articulava naquele contexto e quais eram os espaços abertos para a participação popular, revendo aquela idéia do populismo como um grande processo de manipulação das massas[i]. Escolhi ir para Essex, na Inglaterra, porque Ernesto Laclau estava lá e queria estudar com ele. As conclusões do meu mestrado estavam muito afinadas com os trabalhos dele sobre populismo. Laclau era amigo de Ruth Cardoso e Fernando Henrique Cardoso e, antes da defesa do meu mestrado, veio para o Brasil dar uma conferência no CEBRAP. Fiquei muito entusiasmada com suas colocações. Li os textos que ele produziu e foi muito bom ter sido aceita para iniciar meu doutorado na universidade de Essex - doutorado que depois terminei na USP.

Na Inglaterra, fiquei fascinada pelo movimento feminista, que na época ainda era pouco visível no Brasil. O movimento e as teorias feministas desafiavam vários conceitos antropológicos, por exemplo, a ideia das sociedades primitivas como sociedades igualitárias. Além de trazer um novo corpo conceitual à antropologia, o feminismo introduzia uma visão crítica muito pertinente que só se desenvolveria mais tarde, em meados dos anos 1980, com Writing Culture[ii].

Quando voltei ao Brasil, em 1979, o feminismo já não era novidade por aqui. Colocava temas relevantes do ponto de vista político e também muito instigantes como desafios teóricos. Esta foi uma mudança importante, porque dirigia um novo olhar para questões que me interessava discutir e pesquisar.

Na USP, fiz o mestrado e conclui o doutorado em ciência política, mas minha ligação era com a antropologia. Foi uma contingência relacionada com o fato de Ruth Cardoso e Eunice Durham terem ido para a ciência política. Assim como eu, José Guilherme Cantor Magnani, Teresa Pires Caldeira e outros foram para lá como orientandos destes professores.

Tínhamos um grupo do qual participavam Ruth Cardoso e outras feministas. Nossa ideia era analisar diferentes aspectos do feminismo e diferentes situações relacionadas à mulher. Deste modo, fazia meu doutorado e também estava envolvida com uma pesquisa relacionada às questões da mulher e da velhice. Nesta pesquisa, o objetivo era entender o significado da velhice para mulheres com mais de 70 anos em diferentes contextos.

Quando se pensava na velhice, a referência era a experiência masculina: a passagem do mundo público, com a aposentadoria, para o mundo privado. Outro fator que revelava o drama da velhice para os homens era a perda da vida sexual ativa. Tradicionalmente, as mulheres ficavam restritas à esfera doméstica e, como mostravam os estudos, não tinham sua sexualidade realizada. Então, qual o significado da velhice para elas? Usariam um referencial masculino para falar de sua própria experiência, mesmo sendo os homens vítimas, também, de discriminação e opressão? Esta era a pergunta mais geral que orientava minhas hipóteses iniciais que, depois, se mostraram completamente erradas.

As entrevistadas não se consideravam velhas. Para elas, o que marcava a velhice era a “dependência” e consideravam-se independentes porque podiam cuidar de si mesmas. Argumentavam que os homens ficavam velhos muito depressa porque necessitavam de uma mulher para fazer o trabalho doméstico. O trabalho doméstico - que nós feministas víamos como um dos símbolos da opressão feminina – era, para essas mulheres, a garantia e a prova de sua autonomia. Muitas consideraram viver, naquela fase, o melhor período de suas vidas porque se sentiam livres. Como disse uma delas: "A época mais feliz na vida de uma mulher é quando ela tem liberdade para fazer tudo o que quiser. Esta liberdade eu tive depois de viúva. Liberdade para fazer tudo o que eu quisesse fazer, sem medo de censura". Isto tornou o estudo muito mais interessante, fazendo-nos rever nossos próprios preconceitos sobre o significado da velhice para as mulheres[iii].

Mas, precisava terminar meu doutorado. Quando o terminei, em 1986, já existia o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e quem estava à frente era Jaqueline Pitangui. Ruth Cardoso, Eunice Durham e Jose Augusto Guilhon tinham criado o CEDAC (Centro de Estudos e Documentação para a Ação Comunitária). Diferentes trabalhos de antropologia estavam sendo discutidos neste espaço: Helena Maria Sant’Ana Sampaio pesquisava o programa “Cozinha comunitária”, Célia Sakurai estudava uma associação de bairro, Esther Hamburguer trabalhava com o movimento pela autonomia de Santo Amaro, Maria Filomena Gregori investigava o SOS-Mulher. Jaqueline Pitangui estava interessada em entender o que acontecia depois que a mulher fazia uma denúncia na delegacia, como se dava a continuidade da ação judicial e contratou, via CEDAC, Danielle Ardaillon e eu para fazermos uma pesquisa que depois foi transformada no livro “Quando a vítima é mulher”, publicado em 1986[iv]. Analisamos processos judiciais envolvendo estupro, espancamento e homicídio de mulheres. Foi uma encomenda do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e o resultado foi distribuído em municípios do Brasil inteiro.

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