20 de junho de 2013
Palestras Numas
Rachel Price
Título: "Inimigo solo: Manzano reescreve Heredia"
Reescritura--até agora ignorada pela crítica--que faz o escravo-poeta cubano Juan Francisco Manzano em 1838 dum poema de 1835 do poeta romântico cubano por excelência José María Heredia, sobre todo com respeito à palavra e ao concepto de "solo"; assim que também tem a ver com uma releitura desde o "antropocene" que é o momento contemporâneo de crisis ecológico do lugar do solo no contexto da escravidão açucareira.
Nick Nesbitt
Título: “Beyond the Subaltern: Clastres, Haiti, and the Universality of Capital”
Influence of Pierre Clastre's work in contemporary Haitian studies (along the lines of Viviek Chibber's new book that is getting so much attention), and how it leads to a fundamental and, I think, very cutting edge critique of the entire paradigm of Subaltern Studies.
25 de maio de 2013
Do deleite vouyerístico ao pânico moral: um comentário sobre o homoerotismo no filme “Finalmente 18”
Texto de Márcio Zamboni
Neste último sábado (18/05)
cheguei por volta das 19:00 horas na rodoviária de Salvador e, diante do
trânsito caótico da Avenida Tancredo Neves e do movimento intenso no terminal
urbano de ônibus, decidi assistir algum filme no Shopping Iguatemi (no qual
chegamos por uma longa passarela), deixando para atravessar a metrópole em um
horário mais tranquilo.
O cinema, na noite mais concorrida da semana, estava tomado por jovens casais da
emergente classe média baiana - uma garotada muito mais negra do que a que
frequenta os shoppings paulistanos que já visitei mas mesmo assim muito mais
branca do que o povo que circulava apressadamente pela rodoviária no outro lado
da avenida. Diante do limitado espectro de possibilidades, decidi ver a versão
dublada da comédia estadunidense “21 and over” (21 e além) - traduzida para o
português como “finalmente 18”, marcando assim a diferença etária para a
conquista da maioridade civil nos dois países.
Trata-se
de mais um filme pouco original sobre o descontrole calculado como um rito de
passagem da infância para a idade adulta nas sociedades ocidentais
contemporâneas. No enredo, três amigos (um branco, um judeu e um asiático) dos
tempos do colegial se encontram em uma cidade universitária para celebrar a
passagem do mais jovem deles (o asiático) para a vida adulta - e acabam se
metendo em uma cômica aventura no termo da qual todos se transformam de alguma
maneira e reafirmam a força do vínculo homossocial que os une.
Como
é comum em comédias desse tipo, o humor se estrutura sobre grosseiros
estereótipos de raça, sexualidade e gênero. O filme não passa nem da primeira
pergunta do famigerado teste de Bechdel (criado por uma feminista para avaliar
a relevância das mulheres nas tramas): apenas uma personagem feminina tem nome
e ela não conversa com outras mulheres, nem mesmo sobre os homens.
Chamou-me
atenção, no entanto, o exagerado contraste na reação do público a duas cenas de
homoerotismo - uma envolvendo duas mulheres e a outra envolvendo dois homens. A
diferença de recepção reflete, em alguma medida, as formas diversas como são
construídas imageticamente essas cenas e seu erotismo.
A
primeira delas ocorre em uma residência estudantil de garotas latinas. Os
protagonistas a invadem durante a noite à procura de uma garota que os ajude a
levar um deles (o asiático), que está semi-consciente devido aos excessos
alcoólicos, para casa. Depois de deixar seu companheiro mais frágil amarrado em
um banheiro, os heróis ocidentais percorrem vários cômodos da casa à procura da
informante até que deparam, em um quarto, com duas garotas latinas vendadas,
escassamente vestidas e com as generosas nádegas voltadas para os homens. Ambas
fazem apelos a uma governanta para que sejam punidas - e os protagonistas supõe
que estão em meio a algum exótico rito de passagem. Um deles decide tirar
proveito da situação e afirma que foram mandados pela governanta, que devem
ocupar o lugar dominante no jogo. Diante da passividade das garotas, ele bate
em ambas com uma palmatória e logo depois ordena que ambas se beijem. Diante da
resistência de ambas insiste e, conseguindo que elas cedessem, pede ainda que
elas comecem a se tocar mais intimamente: “Você, agora, pega no peitinho dela”.
A
coerção das mulheres para o deleite vouyeristico
masculino não pareceu produzir nenhuma indignação no público feminino. Em meio
aos amassos compulsórios o outro rapaz decide perguntar pela garota que
procuram e, diante da resposta negativa de uma garota - que afirma que ninguém
com aquele nome vivia ali - diz para o amigo: “Acho que estamos no lugar
errado”. Olhando com prazer para a cena, no entanto, o primeiro responde: “Não,
estamos no lugar certo”. Risos de prazer na platéia. Como é comum na fantasia
dos estupradores das séries policiais, depois de um breve momento de
resistência as garotas parecem gostar do exercício erótico que são obrigadas a
praticar. Toda a construção da cena corrobora com a exaltação do prazer masculino
e compactua com o jogo de mentiras encenado para garantir a submissão
fetichizada das mulheres.
A
descoberta por outras garotas do companheiro deixado no banheiro, porém, dá
início a um escândalo na casa, de forma que ambos são desmascarados e batem em
retirada. A reação das mulheres é, então, violenta. No entanto, a indignação
feminina não é apresentada como uma resposta justa à violação de seus corpos e
dos seus códigos de conduta. Aparece, ao contrário, como uma reação histérica e
racializada. As mulheres latinas, há pouco passivas e sexualizadas, são agora
agressivas e descontroladas. Mais tarde, depois de uma fuga miraculosa, os
rapazes batem na porta de uma outra residência feminina. Quando uma jovem loira
abre convidativamente a porta um dos rapazes exclama: “Graças a Deus, você é
branca!”.
Mais
adiante na narrativa as jovens latinas conseguem, através de um engenhoso
ardil, capturar os dois vouyers da
cena anterior. Depois de um corte brusco na cena, ambos se veem quase
completamente nus (apenas meias cobrem suas genitálias) em um amplo salão,
cercados por espectros femininos mascarados e cobertos por capas pretas. Tem
início uma espécie de julgamento sombrio - no qual as mulheres têm o poder de
decidir o destino dos homens que as ofenderam. A cerimônia é conduzida por uma
garota com uma máscara de bode - como se uma mulher no exercício do poder, se
não pode ser elevada ao estatuto dos sujeitos masculinos, precisasse ser
rebaixada ao nível das feras. Da mesma forma, a busca por justiça das jovens latinas
não pode tomar forma senão em um ritual satânico.
A
punição eleita pela comunidade indignada foi reproduzir as mesmas ofensas nos
corpos dos homens para o prazer vouyerístico das mulheres - temperado, além
disso, por matizes de vingança e sadomasoquismo. Em primeiro lugar, os
detratores levam repetidas pancadas de palmatórias na carne nua de suas
nádegas. Risos na platéia. Em seguida, a mulher-bode afirma que eles precisarão
se beijar. Protestos veementes dos réus. A juíza consulta as vítimas, que se
recusam a perdoá-los. Eles imploram por uma pena alternativa, que acaba sendo
proposta: eles podem ter marcado o símbolo da irmandade na pele com ferro em
brasa.
No
momento do beijo, aparece talvez a piada mais espirituosa do filme. Um dos
rapazes (o judeu) pergunta: “O que é isso, seu pau está ficando duro?”. O
outro, que havia demonstrado uma postura misógina ao longo de todo o filme,
responde com naturalidade: “Não resisti, é que você beija bem”. Ninguém riu, os
protestos masculinos continuam. Até que uma das garotas latinas afirma: “Vai,
pega no peitinho dele agora”. Pânico moral na platéia, que reage escandalizada.
Diante da possibilidade de sentir um prazer homossexual que comprometa a
natureza do vínculo homossocial - agravado pelo fato de que esse contato servia
ao prazer feminino - o judeu afirma com firmeza preferir a pena alternativa:
“Não posso continuar”. A dor violenta de uma marcação bestializante os
libertaria definitivamente da possibilidade de prazer homoerótico. O alvoroço
no cinema se dispersa.
Na
cena seguinte, já de manhã, ambos andam seminus pela universidade, com suas
nádegas marcadas pelas palmatórias e pelo ferro em brasa. Risos da platéia. A
imagem remete, em verdade, à sequência de abertura do filme - que mostrava
exatamente aquele momento, sem que soubéssemos o que havia acontecido. Ouvimos
apenas um diálogo sugestivo: “Isso nunca aconteceu com a gente”, e a resposta:
“Não vamos nunca falar sobre isso”. Só agora entendemos a natureza do trauma. O
caráter homoerótico de toda relação homossocial, que pode facilmente se tornar
homossexual, permanece indizível no pacto de silêncio. A expressão da
violência, como nos quartéis e nos mosteiros, é o que permite a conjuração do
espectro.
Afastada
a ameaça emasculante, o público também se acalma - e volta a rir
despreocupadamente de outros estereótipos estúpidos.
23 de maio de 2013
Resenha do Livro: O desejo da nação
Masculinidade e branquitude na construção da República brasileira
Por José Tadeu Arantes
Agência FAPESP – Masculinidade e branquitude resumiriam, em um binômio, o ideal da elite brasileira de fins do século 19. Um ideal que, virando as costas para o passado (colonial ou monárquico) e para o povo (negro ou mestiço), teria definido um modelo de disciplinamento sexual e embranquecimento para construir o Brasil do futuro.
No pensamento dessa elite, ao mesmo tempo conservadora e modernizadora, passado e povo estavam associados à natureza, aos instintos e ao atraso. O modelo que a inspirava era um retrato idealizado dos países mais desenvolvidos da Europa ou dos Estados Unidos. Tal é o fio condutor do livro O desejo da nação, de Richard Miskolci, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e coordenador do grupo de estudos “Corpo, Identidades e Subjetivações”, que reúne pesquisadores de várias universidades brasileiras.
Resultado de um pós-doutorado feito na Universidade de Michigan, em 2008, e de um Auxílio à Pesquisa, o livro, que também teve apoio da FAPESP para publicação, investiga os quereres e os temores dessa elite que promoveu a transição da monarquia à República e a modernização conservadora do país.
“Investiguei os ideais nacionais a contrapelo, por meio da análise dos fantasmas que assombravam nossas elites: desde o medo dos negros, que após a abolição passou a significar medo do povo, até as ansiedades sexuais e de gênero, que ameaçavam o projeto de construir a nação a partir de uma imagem idealizada da Europa”, disse Miskolci, atualmente professor visitante no Departamento de Estudos Feministas da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, Estados Unidos, à Agência FAPESP.
“Esses fantasmas estiveram na base da criação de um modelo bem brasileiro de modernidade: autoritário e discriminatório. Procurei demonstrar que, apesar de divergências secundárias, as elites modernizadoras convergiam na idealização de uma nação baseada em um paradigma de embranquecimento e heterossexualidade reprodutiva compulsória. A explicitação das supostas ameaças a esse ideal, dos fantasmas das elites, nos permite compreender melhor as transformações históricas, que uma perspectiva embasada apenas em processos racionais tende a ignorar ou minimizar”, disse.
Para demonstrar sua tese, Miskolci recolheu vários discursos políticos, científicos ou jornalísticos da época, como, por exemplo, a série de artigos publicados em A Província de São Paulo pelo médico Luís Pereira Barreto, nos quais esse pioneiro do positivismo no Brasil atemorizava os seus leitores com a imagem de uma perigosa “onda negra” que a abolição despejaria sobre a sociedade: “uma horda de homens semibárbaros, sem direção, sem um alvo social”.
Mas o pesquisador foi além da documentação explicitamente ideológica e procurou captar esse mesmo ideal, higienista e disciplinador, que perpassava tanto a esfera pública quanto a vida privada, apagando a fronteira entre ambas, por meio da análise de três romances exemplares do período: O Ateneu, de Raul Pompeia; Bom Crioulo, de Adolfo Caminha; e Dom Casmurro, de Machado de Assis.
Em sua análise de Dom Casmurro, Miskolci subverte a leitura tradicional que viu no romance de Machado de Assis o relato amargo de um homem já idoso (Bentinho), atormentado pela memória da relação adúltera que, anos atrás, a esposa (Capitu) teria mantido com seu melhor amigo (Escobar). Do ponto de vista do pesquisador, o verdadeiro fio condutor do romance seria a atração entre Bentinho e Escobar, desempenhando Capitu o papel de mediadora (ao mesmo tempo vítima e cúmplice) desse desejo erótico secreto e inconfessável.
Como outros textos de Machado de Assis, Dom Casmurro faz a crítica, sempre velada e sutil, dessa ordem social hipócrita. “O fato de a atração entre Bentinho e Escobar provavelmente jamais ter-se consumado em termos sexuais, não impediu, ao contrário, contribuiu, para que se tornasse a força propulsora da vida do protagonista”, afirmou o pesquisador.
“Nos estratos sociais mais privilegiados da época, o casamento passou a ser uma demanda muito forte, que associava a respeitabilidade do homem à condição de marido e pai. Era uma obrigação que envolvia não apenas o interesse econômico, mas também outros interesses, como a necessidade de gerar herdeiros ou encobrir segredos. O casamento à brasileira tinha características próprias, como a manutenção da moral dupla que permitia aos homens o acesso a outras mulheres e, como demonstrei na minha análise, também a outros homens. Às mulheres cabia um papel duplamente subordinado, já que, além de obedecer ao marido, elas deviam também aceitar suas traições", disse Miskolci.
O que sobrou disso tudo no Brasil de hoje? Os debates contemporâneos, bastante acirrados, que têm como palco principal as mídias sociais, mostram que as questões étnicas e de orientação sexual ainda polarizam fortemente a sociedade brasileira. “As demandas atuais envolvendo direitos humanos demonstram que a cidadania ainda não foi universalizada em nosso país e há grupos políticos que lutam contra essa possibilidade”, comentou.
“As mulheres ainda não têm reconhecido o direito de decidirem se querem ou não ser mães; negros, indígenas e homossexuais ainda enfrentam dificuldades para fazer valer seus direitos”, prosseguiu o pesquisador. “De forma geral, a cidadania ainda é mais acessível e reconhecida para quem é homem, branco, rico e heterossexual.” Como essas características estão longe de definir uma maioria, o Brasil continuaria sendo, para citar as famosas palavras de Stephan Zweig, um “país do futuro”.
- O desejo da nação
Autor: Richard Miskolci
Preço: R$ 33,75
Páginas: 208
Mais informações: www.annablume.com.br/loja/product_info.php?products_id= 1823&osCsid= fepbaq56u55j4rgpmkd398isr2
11 de março de 2013
Petitioning National Academy of Sciences
National Academy of Sciences: Change policies that have led to the resignation of Marshall Sahlins.
7 de março de 2013
Lilia Schwarcz e Lima Barreto na USP
Lilia Schwarcz (foto ao lado), ou Lili, como ela gosta de ser chamada, é uma dessas professoras que esbanjam simpatia, carisma, finesse e erudição. Uma combinação bastante difícil de se encontrar nas pessoas ultimamente. Quando entrei no curso de ciências sociais na USP, em 1997, ouvia o ressoar de sua fama pelos corredores da Faculdade de Filosofia (que uspianos chamam ridícula e carinhosamente de "Fefeléche"!) e através do meu amigo Batistão, naquela época seu orientando de mestrado e monitor em um de seus cursos de graduação (...)
23 de fevereiro de 2013
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