Foi publicado recentemente na Agência USP de Notícias (
http://www.usp.br/agen) um artigo acerca da tese de mestrado de Bruno César Barbosa, pesquisador vinculado ao NUMAS e aluno de doutorado em antropologia social na linha marcadores sociais da diferença.
A partir
desse link você pode acessar a página original.
Segue abaixo na íntegra o artigo em questão:
Travestis e transexuais não se limitam à definição médica
Por
Felipe Maeda Camargo - felipe.maeda.camargo@usp.br
Publicado em 4/março/2010 |
Editoria :
Sociedade |
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A partir de estudo feito com travestis e transexuais, o antropólogo Bruno Cesar Barbosa concluiu que pessoas que praticam transformações de gênero utilizam uma diversidade de categorias em seu cotidiano. Segundo o pesquisador, elas utilizam uma série de categorias para definição do que são, das categorias travesti e transexual, até outras como trans e transex, ou categorias ligadas à homossexualidade como gay e homossexual.
Pesquisador defende que transexuais e travestis são construções sociais
O autor defende que estas categorias são construções sociais. No entanto, as definições médicas, baseadas em manuais internacionais e em organizações internacionais como a Organização Mundial de Saúde (OMS), encontram maior legitimidade no uso cotidiano destas pessoas para definirem suas vivências. Segundo estas definições médicas, uma/um travesti seria aquele (a) que se comporta e se veste como o outro gênero, mas não quer a cirurgia para mudar seu órgão sexual. Já os/as transexuais, sentem a necessidade de fazer a cirurgia, pois se sentem do outro gênero desde o nascimento
“A operação é recorrente na fala e é um elemento central na produção das diferenças entre travestis e transexuais. Mas ela (a definição médica) pode ser contraposta por outros fatores” afirma Barbosa, que também ressalta a importância de elementos como diferenças de classe, cor e geração na construção da imagem das categorias travesti e transexual. Barbosa exemplifica dizendo que um dos típicos estereótipos criados e ligados às travestis é de que são pobres, negras, prostitutas e marginais; enquanto que as transexuais são ligadas as classes médias e altas, exemplificado pelo uso de termos “fina” e “educada” pelas pessoas pesquisadas, e são vistas como mais mulheres em relação as travestis.
Mesmo os médicos incorporam esses estereótipos ao associar a característica de “safadeza” às travestis, como Barbosa relata: “Se a pessoa é da prostituição, por exemplo, já pode ser um motivo para dizer que ela não é transexual, porque quer dizer que ela utiliza o órgão sexual dela para prazer. E “safadeza” pode virar também, neste sentido, um signo de masculinidade. A imagem de uma ‘mulher de verdade’ constrói o que é ser transexual para os médicos, assim como para muitas pessoas que se dizem transexuais”.
Em sua pesquisa, que foi defendida como sua dissertação pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o antropólogo observou que estas pessoas utilizam uma série de categorias que tem relação com as situações que elas vivenciam no cotidiano. Neste uso, tais pessoas não se prendem às definições médicas, mas também associam convenções de gênero, sexualidade, classe e raça.
Terças Trans
O pesquisador conciliou seus conhecimentos na sua área de estudo com o convívio por dois anos com transexuais e travestis em reuniões denominadas Terças Trans, que ocorrem quinzenalmente no Centro de Referência em Diversidade (CRD), um equipamento social direcionado para o grupo LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) na cidade de São Paulo.
Nos encontros, Barbosa observou as interações e debates entre as participantes, além de coletar narrativas de história de vida de três delas. O pesquisador pôde estudar suas vivências de sexualidade e gênero e procurou compreender outras características das participantes que as faziam classificar a si mesmas como travesti ou transexual.
Barbosa notou que as pessoas não se fechavam ao conceito clínico das categorias. A categoria em que se encaixavam variava com a situação social que a pessoa vivenciou, ao mesmo tempo em que ela poderia se identificar diferentemente ao longo da sua vida.
Ele cita o caso de um dos participantes das reuniões, Carla*. Ela já se identificou de várias formas em sua vida: travesti, transexual, trans, performer, homossexual. Hoje ela diz que descobriu ser intersexo — termo usado para quem pode ter ambos os órgãos sexuais parcial ou completamente desenvolvidos. Barbosa destaca que, nos encontros, Carla conseguia se dizer transexual sem perder a legitimidade diante das outras.
O fato curioso dessa situação é que Carla não é operada, o que é considerado um fator importante para as participantes como a “prova da transexualidade”. Como Carla é branca, tem uma fala articulada, e tem um histórico de artista entre as participantes, sendo vista como um feminino “bem sucedido”, as outras não a viam como travesti.
Com casos como esse, o pesquisador percebeu que as próprias participantes traziam as imagens que a sociedade cria em torno das categorias ao se definirem e ao classificarem as outras participantes. Barbosa diz que nas relações entre elas há a construção de uma hierarquia de gênero, no qual transexuais são vista como “mais mulheres” em relação às travestis. Estas, por sua vez, acabam relacionadas a aspectos masculinos, que são moralmente rebaixados para algumas das participantes, como uma sexualidade exagerada e um feminino mal sucedido.
*Nome fictício
Mais informações: brunoicb@yahoo.com.br