Abdias se vai deixando um Brasil melhor...
Os Estados Unidos tiveram Malcolm X e nosso Martin Luther King Jr., o Congo teve Patrice Lumumba, a África do Sul teve Steve Biko e ainda tem Nelson Mandela, a Jamaica e os EUA tiveram Marcus Garvey, o Senegal teve Leopold Senghor, a Martinica teve Aimé Cesairé, a Guiana Francesa teve Léon Damas, Gana teve Kwane Nkrumah e o Brasil teve Abdias do Nascimento.
Abdias nos deixou nessa manhã para entrar no seleto grupo de líderes negros que, por meio de suas ações, fizeram do mundo um lugar melhor. Aos 97 anos, nosso guerreiro se vai já cansado de tantas guerras, mas com a certeza de dever cumprido. Afinal, tudo aquilo que se refere a luta política contemporânea do/as negro/as brasileiro/as teve a participação desse pequeno grande homem. Seja na distante Frente Negra Brasileira (FNB) dos anos 1930, no Teatro Experimental do Negro (TEN) nos anos 1940, no jornal Quilombo entre final dos 1940 e início dos 1950, nos congressos, seminários, debates e plenárias (foram tantos e em lugares tão diversos), na luta por ações afirmativas da qual ele já esbravejava nos anos 1950, no exílio nos EUA na década de 1970, no Movimento Negro Unificado (MNU) dos final dos anos 1970 e início dos 1980, no mandato de Senador dos anos 1990, nos escritos de dramaturgia, nas pinturas, nos textos políticos, nas mulheres que amou, nos filhos e filhas que elas lhe deram e ele amou... Em todos essas ocasiões, lá estava o negro Abdias com sua revolta, seu amor, sua sabedoria, seu humor, sua indignação, seu charme, suas contradições e seu comprometimento. Abdias foi um visionário e guerreiro incansável das causas que afetavam negros e brancos num país que, na maioria das vezes, tem vergonha de assumir sua herança africana, quer embranquecer, não quer ter nariz chato, beiço, cabelo crespo e pele escura.
Nosso guerreiro se vai, mas o Brasil está melhor por conta de suas ações, de sua audácia e da sua revolta. Para mim, Abdias sempre será um negro revoltado, pois sua revolta foi criadora, gerou frutos que hoje todos nós colhemos: igualdade, orgulho, auto-estima, risos, amor e o prazer de viver cada vez entre iguais respeitando suas diferenças de cor, raça, gênero, etnia, religiosidade, orientação sexual e classe. Nessa convivência entre diferentes e iguais aprendemos mais, nos doamos, discordamos e muitas vezes nos revoltamos para criar e aperfeiçoar. Pois a revolta, como Abdias mostrou através da sua vida, é criadora. Obrigado por tudo, meu guerreiro!
Márcio Macedo (Kibe)
Ph.D. student at New School for Social Research
IFP Fellow
publicado dia 24 de maio em: http://newyorkibe.blogspot.com/